O transplante de órgão é um tipo de operação que salva muitas vidas anualmente. Entretanto, muitas pessoas ainda não têm conhecimento amplo sobre a importância da doação de órgãos para a recuperação da qualidade de vida de muitos pacientes. 

Por isso, o dia 27/09 foi dedicado como Dia Nacional da Doação de Órgãos com objetivo de ampliar as discussões sobre esse assunto. Entender mais sobre o tema e saber as etapas para ser um doador ou, até mesmo, para conseguir uma doação é extremamente importante para garantir a ampliação da vida de quem precisa receber um novo órgão. 

O médico de família e comunidade da FeSaúde, Dr. Pedro Corrêa, destaca a importância da data: 

“A importância das campanhas de conscientização vem do fato de que, juridicamente falando, a decisão final sobre o destino para os órgãos de doadores não vivos está na mão dos familiares. Então é preciso que sejam produzidas peças publicitárias que sensibilizem previamente as pessoas a respeito da necessidade da doação”. 

Quem pode doar? 

Existem dois tipos de doadores: os vivos e os não vivos. Os doadores vivos, podem doar sem necessidade de autorização judicial para parentes de até 3° grau e para o/a cônjuge. Para as demais pessoas que não se enquadram nesses graus de parentesco, é necessária autorização judicial.  

Nos casos de doador vivo, o único órgão que é possível fazer a doação sem nenhuma restrição judicial e para qualquer pessoa é de medula óssea, que pode ser cadastrado nas campanhas de doação de sangue. Em relação aos demais órgãos, não há um cadastramento. Portanto, as doações são feitas de acordo com a necessidade da pessoa, respeitando a regra de parentesco ou cônjuge. 

No caso dos doadores não vivos, são habilitados apenas aqueles que sofreram morte cerebral. Nesse caso, quem decide pela doação é a família do falecido, sendo ideal, dessa forma, deixar a família informada sobre o desejo ou opção por doar os órgãos em caso de óbito.  

O médico Pedro Corrêa explica o porquê dessa regra: 

“Não é possível doar em qualquer outra situação que não seja morte cerebral. Isso porque em outros casos de morte, como infecções, não há garantia de que aquele órgão é viável para doação, sendo que existe uma grande chance de não ser. Na morte cerebral, a funcionalidade dos órgãos é mantida no corpo, permitindo a organização da doação de forma segura.” 

Como é feita a doação? 

A doação é feita por meio do transplante, a partir do Cadastro Nacional de Transplante, que leva em consideração algumas questões que definem o receptor mais adequado para aquele órgão. Essas questões são múltiplas e abrangem critérios como distância, gravidade do caso, entre outros.  

Como fazer o cadastro para doação em Niterói? 

No caso de doadores vivos, o cadastro para doação de medula óssea, por exemplo, é feito nos hemocentros, podendo ser realizado no momento da doação de sangue ou separadamente. Para os demais órgãos, destinados a familiares ou cônjuge, a decisão é feita no momento da necessidade, a partir da orientação da equipe médica.  

Em relação ao desejo de doar órgãos em caso de falecimento, o ideal é deixar a família ciente dessa vontade, a fim de que, no momento do óbito, ela já esteja preparada para atender a decisão do doador em potencial. 

Uma experiência de transplante 

A gerente do Núcleo Estratégico e de Apoio Técnico da Diretoria de Atenção à Saúde (DAS) da FeSaúde, Brena Tostes, compartilhou como foi sua experiência com o transplante de um familiar, seu pai, demonstrando como um órgão doado por um não vivo pode salvar uma outra pessoa. 

“Eu tive uma experiência muito gratificante e significativa na minha vida em relação ao transplante, no final de 2013. Descobrimos uma doença grave no meu pai, ele estava com um câncer no fígado bastante avançado. Esse câncer foi consequência de uma infecção pelo vírus da hepatite C, que acabou gerando a uma cirrose e uma falência do fígado. 

Essa é uma doença muito silenciosa que evolui ao longo de muitos anos, por isso a descoberta foi já num quadro grave. Quando nós descobrimos, já não existia outro tratamento que seria eficiente, a não ser o transplante de fígado (transplante hepático).  

Então, a partir desse momento, começou uma história bem difícil, mas bem bonita. A primeira opção foi um transplante intervivos, em que um dos filhos, no caso eu ou meu irmão, poderia doar uma parte do fígado para o meu pai.  

Pelo fato de o fígado ser um órgão que regenera em pouco tempo, o doador teria o órgão completo novamente, e meu pai, apesar de ter recebido apenas metade, também teria o órgão completo após um período. Eu e meu irmão fizemos uma série de exames para verificar quem seria o doador mais indicado, com maior compatibilidade.  

Após os testes, meu irmão foi indicado como doador mais compatível. Porém, devido a uma complicação ao longo da cirurgia (risco de hemorragia durante o procedimento), foi necessário interrompê-la. Dessa forma, não foi possível completar a doação para o meu pai naquele momento, uma vez que uma das premissas do transplante intervivos é garantir a segurança do doador. 

Quando meu irmão acordou da cirurgia e descobriu o que tinha acontecido foi um “baque” muito grande para ele e também para toda a família. Então meu pai continuou na fila do transplante, aguardando sua vez.  

Essa primeira cirurgia, a qual meu irmão se submeteu, aconteceu em abril de 2014 e, em julho de 2014, meu pai foi contemplado pela fila do transplante. Eu recebi uma ligação, que foi a mais emocionante da minha vida, dizendo que tinham encontrado um fígado compatível e que eu deveria internar meu pai na manhã seguinte a fim de realizar a cirurgia.  

Então meu pai fez essa cirurgia, recebeu o transplante do fígado e foi um sucesso. Foi muito emocionante, também enquanto profissional de saúde, acompanhar um procedimento dessa magnitude, que envolve tantas pessoas, em várias etapas, desde a equipe de regulação do programa de transplantes, a equipe que assistia meu pai, a equipe responsável pela captação do órgão, além, é claro, da família do doador que toma a decisão de doar o órgão, mesmo perante essa perda.  

Após a cirurgia, como meu pai tinha o vírus da hepatite C e ele não pôde fazer o tratamento contra o vírus naquela época, por estar muito debilitado, infelizmente, depois de um ano, meu pai perdeu esse fígado transplantado também. 

Dessa vez tudo aconteceu muito rapidamente e ele foi internado num estado muito mais grave que o da primeira vez, direto para o CTI. Ficou entre a vida e a morte aguardando por um novo transplante. Porém, de acordo com os critérios de transplante, um paciente que precisa ser retransplantado tem prioridade na fila. Então em poucos dias ele foi contemplado com um novo órgão e passou pelo segundo transplante de fígado.  

Essa segunda cirurgia foi bem mais difícil por conta do estado de saúde geral dele. Mas enfim, depois de um bom tempo internado, ele teve alta e saiu muito bem do hospital. Nessa ocasião, em que ele saiu do hospital, o SUS tinha acabado de incorporar um novo tratamento contra a hepatite C, um tratamento recém divulgado, que era mais eficiente (com altas chances de cura total) e menos agressivo.  

Assim, meu pai teve a oportunidade de sair do hospital já com a medicação para o tratamento da hepatite C e em 60 dias já foi capaz de zerar a carga viral. 

O segundo transplante (e na verdade terceira tentativa) foi um sucesso. E, durante alguns anos, ele só fez acompanhamento ambulatorial e continuou com a equipe que o operou fazendo todo o acompanhamento regular necessário ao paciente transplantado.  

Essa foi a nossa história e o transplante possibilitou ao meu pai e à minha família anos de muito amor, felicidade e alegria compartilhada pela sensação de termos vencido a morte que bateu à nossa porta em 2013. Em 2019 meu pai faleceu, por motivos cardíacos, não relacionados com o fígado ou com o transplante e por isso que digo que minha história com o transplante foi de muito sucesso. 

Aqui faço uma pausa para destacar que todo esse processo, desde a descoberta do diagnóstico até o transplante e o acompanhamento após as cirurgias, foi feito integralmente pelo SUS e, apesar de ser um relato pessoal, eu me coloco também enquanto profissional de saúde do Sistema Único de Saúde, pois mesmo sendo um episódio particular da minha vida, eu sempre tive muito orgulho dessa história também enquanto profissional do SUS.  

Eu tenho muito orgulho do SUS, que tem o maior programa público de transplante de órgãos do mundo, e deixo aqui meu apelo para as pessoas que têm interesse ou desejo de doar órgãos não vivos: É essencial conversar com familiares sobre a nossa vontade de sermos doadores, uma vez que a família é quem toma essa decisão. 

Contar a história do meu pai é homenagear o quanto ele lutou pela vida e me ensinou a lutar, mas também seguir militando pela causa que ele adotou, a doação de órgãos”. 

Foto Brena Toste e seu pai 

 

Edição e produção: Ricardo Rigel 

Apoio técnico: Brena Tostes e Pedro Corrêa 

Data: 27/09/2021