Junho é conhecido como mês do Orgulho LGBTQIA+. Esse mês tem como objetivo reforçar a importância de discutir as temáticas que envolvem gênero e sexualidade, bem como de promover uma maior equidade social e redução dos preconceitos direcionados a esse grupo.
Nas últimas décadas, alguns direitos já foram conquistados, a exemplo a criminalização da homofobia, porém essa parte da população ainda enfrenta muitos desafios, como a falta de acesso aos serviços de saúde. Isso porque, o sistema de saúde ainda hoje possui entraves que impedem o amplo acesso ao cuidado desses indivíduos.
O médico de Família e Comunidade e coordenador médico da FeSaúde, Pedro Corrêa pontua: "Todos os formados em saúde precisam desenvolver as competências para atender essa população, pois é uma população que irá precisar de vários tipos de profissionais”.
Um pouco da história da luta LGBTQIA+ no Brasil
A luta e os movimentos por direitos da população LGBTQIA+ se fortaleceram no final da década de 1970, com o Grupo Somos como precursor da luta homossexual.
Esse início ainda não contava com a pluralidade existente atualmente, sendo protagonizado majoritariamente pelos homens homossexuais. Com a epidemia da AIDS/HIV, nos anos 1980, houve uma mobilização por parte do governo, a fim de atuar na prevenção dessa doença.
Com isso, esse grupo conquistou ainda mais espaço e trouxe outras reivindicações ao cenário político. Nessa mesma época, as mulheres lésbicas, até então ainda invisibilizadas, começaram a se alinhar ao movimento feminista e a denunciar o machismo presente nos mais diversos grupos sociais.
Somente na década de 1990, o movimento de travestis conseguiu mais espaço. Ele institui-se em coletivos, como no caso da Associação das Travestis e Liberados do RJ (Astral), pautando o governo para o atendimento de suas demandas específicas, além de atuarem nas ações de prevenção da aids. Na mesma época, a causa de transexuais foi incluída na agenda deste movimento.
Com o passar dos anos, o movimento, antes protagonizado pelos homens homossexuais, passou a ser integrado e protagonizado por outros grupos também marginalizados pela sua orientação sexual e ou identidade de gênero, como lésbicas, bissexuais, transexuais, entre outros.
Em 2004, o governo, em conjunto com a sociedade civil, instituíu o “Brasil sem Homofobia – Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e de Promoção da Cidadania Homossexual” (BRASIL, 2004), que foi elaborado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República.
Nesse mesmo ano, o Ministério da Saúde constituiu o Comitê Técnico de Saúde da População LGBT, e em 2006 o Conselho Nacional de Saúde (CNS) passou a incluir representantes da população LGBTQUIA+. Ambas essas conquistas são marcos importantes da luta pelo acesso à saúde e pelo atendimento humanizado, integral e livre de preconceitos.
Quais são os dispositivos públicos disponíveis para a saúde da população LGBTQIA+ em Niterói?
Em Niterói há dois pontos de atendimento especializados, segundo o médico Pedro Corrêa. Um desses locais de referência é o Ambulatório de Saúde LGBTQIA+, localizado na Policlínica Sylvio Picanço, no Centro de Niterói.
Apesar de ser coordenado pelo município de Niterói, o ambulatório se tornou referência para as cidades vizinhas devido ao fechamento do ambulatório do Rio de Janeiro. Assim, além dos usuários niteroienses, a Policlínica Sylvio Picanço recebe também usuários de outras cidades da região.
Fundado entre 2017 e 2018, com intensa participação dos movimentos sociais de Niterói, esse ambulatório oferece atendimento:
Médico, fornecendo, inclusive, a realização de hormonioterapia para a população trans;
Psicológico;
Com assistente social.
Durante a pandemia do coronavírus, este ambulatório tem passando por certas dificuldades, o que levou a um aumento na fila de espera.
O segundo local de referência, o Centro de Cidadania LGBTQIA+, é um equipamento do estado. Além de promover encontros da população LGBTQIA+ de forma ampla, servindo como ponto de apoio psicossocial, esse Centro dispõe de equipamentos de saúde e também apoia o Consultório na Rua, um equipamento da Secretaria Municipal de Saúde de Niterói (SMS), oferecendo serviços de saúde e acolhimento para essa população. Além disso, realiza atividades no âmbito dos direitos sociais, como o auxílio para troca do nome social.
Mesmo com a existência de serviços especializados para as demandas desse público, os demais serviços de saúde, como a APS (Atenção Primária à Saúde) e o Programa Médico de Família, estão disponíveis para a população LGBTQIA+, afirma o médico.
Principais desafios que os profissionais de saúde precisam vencer para melhorar o atendimento ao público LGBTQIA+
Por se tratar de um grupo bastante heterogêneo, o atendimento à população LGBTQIA+ precisa ser ainda mais personalizado, objetivando acolher e compreender o indivíduo em toda sua totalidade. No entanto, devido a diversas questões culturais e sociais, nem sempre o cuidado prestado a essa população é feito de forma adequada.
Segundo Pedro Corrêa, para que a qualidade do atendimento da população LGBTQIA+ seja promovido, é necessário focar em quatro responsabilidades que devem ser assumidas por esses profissionais:
- Se despir de todo e qualquer preconceito que possa prejudicar a relação com o paciente ou ainda hostilizá-lo;
- Estar aberto a escutar esses indivíduos, compreendendo suas demandas;
- Estudar e se preparar para atender essa população, que inclui uma grande diversidade de características e necessidades;
- Garantir o acesso à saúde a essa população.
“Essas pessoas possuem um acesso à saúde ainda muito restrito, e precisamos trabalhar pela equidade para que essa população sinta que o sistema de saúde é um ponto de acolhimento e onde ela será vista integralmente”, afirma o médico.
A importância da capacitação dos profissionais
De acordo com o Pedro Corrêa, o ideal não é que ambulatórios e enfermarias tenham profissionais especializados no atendimento da população LGBTQIA+. Mas sim que todos os profissionais sejam capacitados e preparados para atender não só essa parcela da população, mas todas as demais parcelas marginalizadas, como a população negra e indígena.
“Os profissionais da saúde, já na faculdade, precisam desenvolver essa discussão (sobre a saúde LGBTQIA+) e as competências para o atendimento geral desse grupo, em todas as suas nuances e singularidades. Atualmente, as Equipes de Saúde da Família propõem muitas discussões e congressos sobre esse tema, mas a formação desses profissionais ainda é muito defasada”, afirma Pedro.
O médico de família ainda destaca:
“Para os profissionais que trabalham com a Saúde da Família, principalmente para aqueles inseridos nas comunidades e nas favelas, essa responsabilidade é ainda maior. Isso porque a gente recebe um grande volume de pessoas nas unidades de saúde que, muitas vezes, não têm acesso à informação. Nesse sentido, a população LGBTQIA+ periférica precisa encontrar, nas unidades básicas de saúde, um ponto de acolhimento, uma vez que podemos ser um dos poucos locais onde eles terão acesso à informação e ao cuidado necessário”.
Os desafios que o público LGBTQIA+ enfrenta em relação ao sistema de saúde público